domingo, abril 15, 2007

Jornal Labor - “Deadline Now!”, a ditadura do amanhã

Jornal “LABOR” – edição 733 (05/04/2007)
Quarta-feira
“Deadline Now!”, a ditadura do amanhã
“Não me quero civilizar!” É o grito de alerta e o pedido de socorro projectado por “Deadline Now!”, uma tragédia urbana invulgar, que a companhia de teatro Persona, de Santa Maria da Feira, apresentou na terça-feira à noite, nos Paços da Cultura.
Classificada como “electro video urban tragedy quadriphonic performance”, trata-se de um espectáculo que mistura teatro, dança, sonoplastia e vídeo no mesmo palco. Sobre três painéis atiram-se imagens de ruas, olhos, mãos, pedaços de jardim, multidão, ponteiros de relógio, suspiros, trânsito, solidão, desespero, ausência, silêncio… num rodopio frenético e, mais do que isso, esquizofrénico, ao ritmo das batidas estridentes e repetitivas dos sapatos, calcando o chão.
Elas de saltos altos, sempre em marcha, mecanicamente, atendem o telemóvel, ligam o portátil, caminham e correm; eles de testa carregada, sobrolho levantado e olhar vazio. “Sucesso”. “Competição”. “Alvo”. “Sejam eficientes”. “É preciso agir”. “Eu sou flexível, disponível a todo o momento”.
Quem não se recorda da comédia trágica “Modern Times” the Charlie Chaplin, que caricatura os efeitos nocivos do excesso de trabalho mecânico e repetitivo? Qualquer semelhança não é pura coincidência. Já avançamos umas décadas desde a época da revolução industrial. Estamos na era da revolução da informação e das tecnologias da comunicação. Teclar, conectar, executar várias tarefas em simultâneo, porque a tecnologia permite e fomenta, com um único target: sucesso, competitividade.
Resultado: demência, depressão, loucura, stress, tiques nervosos. Solução: comprimidos e mais comprimidos, anti-depressivos e químicos semelhantes, isolamento, suicídio.
Caminhando lentamente, as oito personagens acompanham as últimas respirações profundas, débeis, o último sorver mais prolongado de oxigénio do corpo que jaz, no palco, sob uma luz ténue e clara.
“Deadline Now!” estreou no ano passado e já percorreu diversas salas nacionais, tendo-se apresentado também em Paris. No próximo dia 14, sobe ao palco do Contagiarte, no Porto.
Dirigida por Lígia Lebreiro, a companhia nasceu em 2002, tendo já passado algumas vezes por S. João da Madeira, fundamentalmente, com espectáculos de animação de rua.
Salomé Pinto

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