Houve um poeta que um dia se perguntou porque razão Deus, na perfeição da sua criação, teria criado os sapos, esse animal viscoso, repugnante e aparentemente inútil. Nas histórias dos contos de fadas há frequentemente um sapo que pela acção de um beijo de donzela se transforma em príncipe. Também há histórias de sapos que incham até rebentarem… Seja como for, os sapos não têm culpa da sua condição. Nos contos de fadas com que nos entretêm os novos contadores de histórias fico sempre com a sensação de não perceber muito bem a nova distribuição de papéis. Afinal quem são os Sapos de hoje? E os Príncipes? E quem é que nos conta a história? E porque razão é que a história nos é contada assim?... Lembro-me bem de, na minha infância, quando alguém me contava uma história, invariavelmente fazer perguntas (talvez não tenha crescido ainda o suficiente para aceitar todas as histórias de encantar sem fazer perguntas). A realidade é que cada vez mais as histórias que nos impingem não me convencem e, mais ainda, têm o condão de me provocar uma indigestão proporcional à de ter engolido mais alguns sapos mal cozinhados… ou talvez me sinta apenas como aquele pobre sapo que incha até rebentar. É nesta altura que o leitor, tal como eu quando era criança, começa a perguntar-se que história é esta, afinal de que é que eu estou a falar? Como é óbvio, de tudo aquilo que mais se fala ultimamente neste reino de príncipes bem falantes: de CULTURA!!! Ultimamente tenho lido muitas histórias sobre cultura, sobre a nossa cultura, sobre o desenvolvimento da cultura e competências locais. Se etimologicamente não me engano, cultura pressupõe a prévia acção de cultivar e, como qualquer bom agricultor “inculto” poderá explicar aos senhores contadores de histórias, antes de colher os frutos é preciso toda uma série de trabalhos e tempo que me parece não fazerem parte da história que nos vêm contando. Neste sentido, eu afirmo peremptoriamente que qualquer agricultor, mesmo que analfabeto, é mais culto que qualquer um destes senhores, por mais mestrados, doutoramentos ou cargos que ocupem. “GRUPOS CULTURAIS DO CONCELHO ANIMAM 50 POR CENTO DA VIAGEM MEDIEVAL” “O CONCELHO ESTÁ FORTEMENTE REPRESENTADO NA ANIMAÇÃO” “ASSOCIAÇÕES DO CONCELHO AINDA NÃO SUFICIENTES PARA A VIAGEM TER O NÍVEL DESEJADO” Estas são algumas transcrições das novas histórias de “en-contar”. Falemos agora de factos e não de histórias (mais uma vez reservo-me o direito infantil de fazer perguntas). Deixemos de falar em chavões como “Associações” e “Tecido cultural do concelho”…. Falemos de “Animação”: - Quantas companhias existem no concelho e quantas estão envolvidas na Viagem Medieval? - Quantas destas companhias trabalham regularmente e sobrevivem sem apoios ao “Associativismo”? - Quantas delas têm por objectivo a profissionalização? - A quantas companhias do concelho são pagos serviços de animação? - O conceito de cultura é um chouriço político a encher com o trabalho gratuito das “Associações”? - Qual é o “nível desejado”? - São estes os 50 por cento de que nos falam os nossos contadores de histórias? - Como é que pensam implementar a melhoria de nível? “JÁ HABITUAIS, MANTÊM-SE O ARRAIAL, O “ALOJAMENTO DOS CAVALEIROS”, O “BOSQUE DOS MAGOS” – DEDICADO ÀS CRIANÇAS_ (…) - Desde quando o “Bosque dos Magos” é habitual? “ (…) NO “BOSQUE DOS MAGOS”, O VISITANTE TERÁ A OPORTUNIDADE DE FAZER UM PERCURSO HABITADO POR SERES COMO DUENDES, MAGOS E BRUXAS. LOCALIZAR-SE-À NAS GUIMBRAS ENTRE AS 15H30 E AS 20H00. O CUSTO DE UMA VIAGEM PELO PERCURSO SERÁ DE UM EURO” - Estarão a falar da “FLORESTA ENCANTADA”? - Será que os duendes também se vão chamar “Rhili-Rhili” e falar Ramalah e cantar canções para as crianças? - Será que os magos são clones do feiticeiro “Zabaru” e do seu ajudante “Zoil”? - Será que as 8.000 pessoas que visitaram a “FLORESTA ENCANTADA” na última edição da Viagem Medieval estão dispostas a pagar um euro sabendo que eles não vão estar lá? - Será que a “Vidente” sabe que este ano é uma bruxa e que deve estar lá para os receber? - Qual terá sido a “Associação” que criou esta animação? Deixo ao critério do leitor fazer o resto das perguntas. Por mim, vou fazer como diz um dos grandes contadores de histórias da actualidade (ler “IMPRESSÕES” – 28/07/2005 – Terras da Feira): “A minha política, a minha causa, é a cultura, e, por ela, vou até onde me deixar o pensamento.” – Não há sapo que resista!... Lígia Lebreiro Directora Artística da Companhia PERSONA
Feira, 5 de Julho de 2005
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